ICMS Retroativo na Transferência de Gado

ICMS retroativo na transferência de gado: como a má modulação gerou caos e como o STF enfim corrigiu o rumo

A forma como o STF modulou a decisão sobre ICMS em transferências entre estabelecimentos do mesmo titular gerou insegurança para quem ajuizou ações entre 29 de abril de 2021 e o segundo semestre de 2023. Surfando nessa onda, o estado de Mato Grosso disparou "notificações para autorregularização" e, em alguns casos, autuações.

Agora, em 22 de agosto de 2025, o STF fechou a porta da cobrança retroativa. A modulação da ADC 49 não autoriza os estados a cobrarem ICMS dessas transferências passadas. A justiça foi feita, mas há produtores que pagaram por medo e agora podem pedir o valor de volta. Outros, que sofreram autuação, têm agora uma defesa certa.

1. O início da confusão: uma decisão positiva com efeitos desastrosos

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Entenda como a decisão da ADC 49, que proibia a cobrança de ICMS, gerou um limbo jurídico por causa da demora na modulação de seus efeitos.

Tudo começou em abril de 2021, quando o STF, no julgamento da ADC 49, deu uma decisão favorável aos contribuintes. A corte declarou inconstitucional a cobrança de ICMS sobre o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. A tese era clara: se não há venda nem mudança de dono, pois "o boi continua sendo seu, só mudou de pasto", não há fato gerador para o imposto.

Essa vitória, no entanto, veio com um asterisco problemático. O próprio STF, preocupado com o impacto fiscal nos estados, decidiu modular os efeitos da decisão. O problema é que essa modulação só foi definida em setembro de 2023, mais de dois anos depois. Nela, ficou estabelecido que a não incidência do ICMS só valeria plenamente a partir de 2024. Pior: a decisão protegeu da cobrança retroativa apenas quem já possuía ações judiciais sobre o tema antes de abril de 2021, criando um limbo perigoso para quem agiu de boa-fé depois.

2. A insegurança se intensifica: a ofensiva fiscal de Mato Grosso

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Veja como uma decisão de fevereiro de 2025 serviu de gatilho para os fiscos estaduais iniciarem cobranças retroativas, gerando pânico no setor.

A insegurança jurídica, que já era grande, foi drasticamente reforçada em fevereiro de 2025. Em uma análise inicial do Tema 1367, uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso sinalizou que a modulação de efeitos poderia, sim, autorizar os estados a cobrar o ICMS retroativo dos produtores não protegidos pela regra original.

Essa decisão foi a senha que os fiscos estaduais esperavam. O estado de Mato Grosso, por exemplo, agiu rapidamente. Produtores rurais foram surpreendidos com notificações da Secretaria de Fazenda (Sefaz-MT) convidando à "autorregularização". Na prática, era uma cobrança do ICMS sobre transferências de gado realizadas em anos anteriores, com a ameaça implícita de uma autuação fiscal formal e multas pesadas.

3. Agosto de 2025: a justiça é feita, mas o dano já estava consumado

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A decisão final do STF no Tema 1367 barrou a cobrança retroativa, trazendo alívio, mas não apagando os prejuízos de quem pagou por medo.

Felizmente, a maré virou. Em agosto de 2025, ao julgar o mérito do Tema 1367, o plenário do STF corrigiu o rumo. A corte decidiu que a modulação dos efeitos da ADC 49 não autoriza a cobrança retroativa do ICMS, nem novas autuações. Estão protegidos todos que apresentaram medidas judiciais entre abril de 2021 e setembro de 2023, e também quem foi autuado nesse período.

O entendimento vencedor, liderado pelo ministro Dias Toffoli, foi de que o objetivo da modulação nunca foi criar uma "janela de oportunidade" para os estados arrecadarem um tributo já declarado inconstitucional. A intenção era garantir uma transição suave, não penalizar contribuintes que agiram de boa-fé.

4. Orientação prática: o que fazer agora?

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Ações concretas para quem recebeu notificações, pagou o imposto indevidamente ou foi autuado. Saiba como defender seus direitos.

Responda com base no Tema 1367 (22/08/2025) e fortaleça a defesa, pois a modulação não autoriza retroatividade. Solicite o cancelamento do "convite" e de qualquer lançamento dele decorrente.

Avalie imediatamente a via de restituição (repetição do indébito ou administrativa), juntando a notificação, os comprovantes e o fundamento no julgamento de 22/08/2025. Agir rápido é melhor para o fluxo de caixa e para a correção monetária.

Impugne a autuação dentro do prazo e sustente a inaplicabilidade da cobrança retroativa com base no novo julgamento do STF.

5. Linha do tempo e referências essenciais

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Um resumo cronológico dos principais julgamentos e as referências jurídicas para fundamentar sua defesa ou pedido de restituição.

O enredo da insegurança

  • 29/04/2021 (ADC 49): O STF declara que não incide ICMS no mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
  • 19/04/2023 (Modulação): A corte define eficácia pró-futuro a partir de 2024, com ressalva para processos pendentes até 29/04/2021.
  • 04/02/2025 (Tema 1.367 - 1ª rodada): Leitura inicial abre margem para os estados cobrarem operações até 31/12/2023. Fiscos intensificam notificações.
  • 22/08/2025 (Tema 1.367 - final): O STF corrige a rota, veda a cobrança retroativa e proíbe novas autuações relativas ao período.

Referências para guardar

  • ADC 49: Mérito (2021), modulação (19/04/2023), efeitos a partir de 2024.
  • Tema 1367 (22/08/2025): Desfecho final que proíbe a cobrança retroativa.
  • Súmula 166/STJ: Deslocamento entre estabelecimentos não é fato gerador de ICMS.

Leonardo Amaral
Advogado fundador do Amaral & Melo Advogados
Especialista em tributação no agronegócio (desde 2005) | Mestre e Professor de Direito Tributário

A lição sobre a necessidade de estabilidade

O STF errou ao modular de modo a abrir margem para leituras oportunistas, e os estados erraram ao transformar isso em campanha de cobrança. O mérito era, e sempre foi, simples: sem mudança de titularidade, não há ICMS.

O desfecho de 22 de agosto de 2025 corrige o rumo, mas não devolve a tranquilidade perdida nem o tempo gasto para se defender. Justiça tardia é custo no caixa do produtor. Segurança jurídica não é luxo!

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