PRINCIPAIS OBSERVAÇÕES SOBRE O CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL
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Publicado em 20 de dezembro de 2021
Na nossa vida cotidiana somos levados a celebrar diversos contratos, seja de forma consciente ou inconsciente. As relações do nosso dia-a-dia demandam contratos de compra e venda de produtos dos mais variados, desde as compras no mercado para sua casa, uma operação menos complexa mas que não deixa de ser um contrato não escrito de compra e venda, até a aquisição de um imóvel, com maior complexidade e mais formalidades.
No agronegócio não é diferente. O produtor rural diariamente estabelece relações jurídicas contratuais em sua atividade, sejam estes contratos formais ou verbais, mas que ensejam direitos e responsabilidades das partes envolvidas no negócio.
Dentre estes contratos, destacaremos no presente momento o contrato de arrendamento rural, de grande importância na cadeia produtiva do agronegócio pelo fato de ser largamente utilizado em todas as regiões do país e para as mais diversas finalidades de exploração da propriedade rural.
Afinal, o que é o Arrendamento Rural?
O contrato de Arrendamento Rural é o instrumento jurídico que garante ao arrendatário o uso da propriedade rural de terceiro, o arrendador, para exploração de atividade agropecuária, garantindo seu uso pelo tempo do contrato, que pode ser determinado ou não, mediante o pagamento de um preço.
Como se realiza esse tipo de contrato?
Segundo a determinação legal, o contrato de arrendamento rural não necessita ser celebrado de forma pré estabelecida ou escrita, pois a lei garante liberdade para as partes contratantes, podendo inclusive ser celebrado verbalmente, de acordo com a determinação do art. 92 do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64).
Apesar de não haver uma obrigação legal da forma escrita, devido a importância do agronegócio e das crescentes e complexa relações jurídicas em toda cadeia produtiva, destacamos que não é recomendável a celebração de arrendamento rural sem um instrumento escrito.
Isto porque os contratos são feitos para serem fielmente obedecido pelas partes até seu termo final. Contudo, a realidade demonstra que nem sempre isso acaba ocorrendo e é exatamente neste momento, quando uma das partes não cumpre o que foi estabelecido na celebração do contrato, que surgem os problemas que na maioria das vezes serão solucionados após um longo e dispendioso processo judicial.
Exatamente por isso a importância do contrato ser feito de forma escrita, por profissional com a devida qualificação técnica e experiência no agronegócio, pois havendo descumprimento de qualquer das partes teremos de forma clara e objetiva os direitos e deveres de cada um durante o prazo contratual, e em caso de descumprimento, as devidas consequências jurídicas.
Não havendo um contrato escrito, apesar de juridicamente válido, há uma imensa dificuldade em demonstrar claramente em que termos foi celebrada a relação jurídica. Sem um instrumento contratual formal, como se provar efetivamente os valores contratados, os prazos estabelecidos, as formas e vencimentos dos pagamentos? Além disso há muitos outros detalhes de ordem prática com implicações jurídicas e financeiras que se não estiverem corretamente escritas poderão acarretar uma imensa dificuldade para a parte que se sentiu prejudicada conseguir resguardar o seu direito.
Daí surgir a importância de termos contratos escritos e bem delineados juridicamente, para que ambas as partes, arrendador e arrendatário, tenham clareza dos seus direitos e deveres, e quando necessário, consigam resguardar o direito que por ventura tenha sido desrespeitado.
Para o contrato de arrendamento rural se exige outorga uxória?
A outorga uxória é a autorização que um cônjuge dá ao outro para celebrar contratos que envolvam direitos reais sobre imóveis, ou seja, algum ônus real ao imóvel do casal.
O contrato de arrendamento transfere a posse direta do imóvel ao arrendatário para que o mesmo possa utilizá-lo na exploração de atividade rural mas constitui assim uma relação puramente obrigacional, de uso da terra e pagamento por esta utilização, não havendo uma imposição de qualquer tipo de ônus real sobre o imóvel.
Desta forma, não haveria a necessidade da outorga uxória prevista no art. 1.647 do Código Civil, podendo ser celebrado por apenas um dos cônjuges proprietários do imóvel rural, ainda que celebrado por prazo superior a 10 anos, o que inclusive já foi reconhecido em julgados do STJ (REsp 1764873/PR).
Parceria Rural x Arrendamento rural?
O arrendamento rural não é a única forma de se garantir a exploração agropecuária, que também pode ser realizada de outras formas, por exemplo, através da parceria rural. Assim, quais seriam as principais diferenças entre parceria e arrendamento rural?
Enquanto no arrendamento rural o arrendatário paga um preço certo ao proprietário pelo uso da terra, na parceria rural não há preço certo a ser pago ao dono do imóvel. Neste tipo de contrato há a estipulação de participação nos frutos obtidos com a exploração da atividade rural, normalmente estabelecendo percentuais pré definidos de partilha entre os parceiros, em conformidade com o estabelecido no Estatuto da Terra (art. 96, VI).
Com isso temos que o contrato de arrendamento se assemelha a uma relação de locação, onde o proprietário sede o uso do imóvel mediante o pagamento de um preço fixo estabelecido entre as partes, enquanto na parceria há uma espécie de sociedade entre aquele que está explorando a terra e o seu proprietário, partilhando com este os resultados da exploração da atividade.
Desta forma, na parceria o proprietário partilha dos ganhos mas também partilha os riscos da atividade. Já no arrendamento, o preço ajustado deve ser pago independente do resultado da exploração, não havendo partilha dos riscos da operação entre o arrendatário e o dono do imóvel rural.
Como se estabelecer prazos para o arrendamento rural?
Não podemos deixar de destacar que a legislação especial estabelece prazos mínimos para os contratos de arrendamento rural, que variam de acordo com o tipo de exploração.
Assim, de acordo com o Estatuto da Terra, regulamentado pelo Dec. 69.566/66, mais precisamente no art. 13, II, “a”, temos o prazo de 03 (três) anos como o tempo mínimo permitido para esse tipo de contrato.
De acordo com a jurisprudência dominante do STJ, os prazos mínimos estabelecidos na legislação de especial são normas cogentes, ou seja, de observância obrigatória pelas partes contratantes, não sendo permitido aos mesmos estabelecerem prazos inferiores.
Nesse ponto, importante destacarmos que segundo o próprio STJ o Estatuto da Terra não seria aplicável aos médios e grandes produtores rurais, e sim aos pequenos produtores, em razão de sua maior vulnerabilidade. Com isso, os médios e grandes produtores estariam livres para contratar por prazos inferiores ao estabelecido na legislação especial, o que inclusive já foi decidido em alguns julgados do STJ, mas ainda é um tema que enseja discussões na jurisprudência nacional.
Posso pagar o arrendamento em produtos, ou seja, com parte da produção?
Este ponto temos como de extrema relevância para um maior esclarecimento, tendo em vista que na prática da advocacia rural nos deparamos com um número gigantesco de contratos celebrados com estipulação de preço em produtos, como sacas de soja, sacas de milho, cabeças de gado etc, que são realizados há anos e de acordo com os costumes dos produtores e das diferentes regiões do país.
Ocorre que a lei vigente estabelece claramente que o preço do arrendamento rural deve ser estabelecido em quantia fixa de dinheiro, não permite que o preço do arrendamento seja fixado em quantidade pré estabelecida de produto.
Assim, seria tida como nula a cláusula que estabelece o preço do arrendamento em quantidade fixa de produto. O que o texto legal atual permite é que estabelecido o preço em quantidade fixa de dinheiro, o pagamento realizado em produto, fazendo-se a conversão do preço fixado na quantidade de frutos devidos de acordo com seu valor mercado no momento do pagamento.
Contudo, o que vemos na prática é exatamente o contrário, a fixação do preço do arrendamento e sacas de produtos por “hectare”, por exemplo, mas se permitindo no momento do pagamento entregar o produto ou seu equivalente em dinheiro ao preço do mercado na data do vencimento.
Apesar da vedação legal, a prática tem sido a estipulação do valor em produtos, o que na maioria das vezes não afeta a relação entre arrendador e arrendatário que tradicionalmente cumpre o contratado. No entanto, quando há o descumprimento de um das partes, em especial quando há inadimplemento do pagamento do arrendamento, é que surge o maior problema.
Ora, se o arrendatário não paga e o proprietário precisa executar o contrato judicialmente para receber o pagamento quais consequências haveria? É justamente nesse momento que surgirá uma maior dificuldade ao credor, pois o judiciário tem seguido o entendimento da lei, afirmando que o contrato não seria suficiente para lastrear um processo de execução, pois lhe faltaria principalmente a certeza e liquidez do valor devido.
Assim, o credor teria que se valer de uma ação ordinária de cobrança, que exige um procedimento muito mais demorado até a satisfação do seu crédito.
Aqui temos mais uma vez um ponto que ressalta a importância das partes buscarem sempre uma assessoria especializada na celebração desse tipo de contrato, minimizando riscos e custos desnecessários no futuro.
Embora haja essa celeuma em virtude da proibição legal da fixação do preço do arrendamento em produto, há também muitos julgados reconhecendo a validade de tais contratos, pois o direito acaba reconhecendo fatos sociais, dentre eles a prática comercial e contratual de cada região.
Arrendei um imóvel rural e o proprietário quer vender, o que acontece?
Outro ponto interessante está nesse tipo de questionamento, quando o arrendatário se depara com a situação em que durante e vigência do contrato o proprietário do imóvel rural decide vendê-lo.
Nesse caso, o Estatuto da Terra garante o direito de preferência do arrendatário, determinando inclusive que o mesmo seja notificado para exercer seu direito e alienar o imóvel nas mesmas condições e preços oferecidos a terceiro interessado.
Caso não haja a devida notificação, o arrendatário preterido tem inclusive o direito de exigir a adjudicação compulsória do bem em seu favor, mediante depósito judicial do preço.
De acordo com entendimento do STJ, o arrendatário que não foi notificado para exercer seu direito de preferência, teria o prazo de até 06 (seis) meses, contados da data do registro da alienação do imóvel a terceiro (art. 92, §64º do Estatuto da Terra) para exigir a adjudicação em se favor, mediante o depósito do valor disposta na escritura.
Há algum direito do arrendatário na renovação do contrato?
Reconhecendo a importância da exploração rural e daquele que a realiza, a legislação especial prevê o direito de preferência para renovação do contrato de arrendamento, em igualdade de condições com terceiros que por ventura queiram arrendar o imóvel (art. 95, IV do Estatuto da Terra).
Exatamente por isso, a lei estabelece o prazo de até seis meses antes do vencimento para que o proprietário realize notificação extrajudicial do arrendatário sobre propostas por ventura existentes, para que assim arrendatário possa exercer seu direito de preferência, desde que iguale as mesmas condições das propostas apresentadas por terceiro, mediante contra notificação ao arrendador do seu interesse, para que celebrem novo contrato nas condições apresentadas.
E se o proprietário do imóvel rural não notificar o arrendatário, o que acontece?
Caso não haja a notificação extrajudicial dentro do prazo estipulado de até seis meses antes do vencimento, seja para o exercício do direito de preferência em detrimento de proposta de terceiro, ou até mesmo para simples extinção do contrato, haverá a renovação automática, pelas mesmas condições e mesmo prazo do contrato anterior.
Aqui temos mais um importante ponto a ser observado pelo proprietário de imóvel rural, que deve buscar uma assessoria jurídica especializada para orientar na realização desse tipo de notificação, pois a notificação realizada sem as formalidades necessárias, ou ainda, fora do prazo legal, ensejará a renovação automática do contrato, por disposição da lei, mesmo que contra vontade do dono da terra.
Diante de todas as observações, será que existe um modelo correto de contrato de arrendamento rural?
Como se sabe, não há um modelo correto ou específico de contrato rural, apesar de haver alguns pontos que acabam sendo comuns a diversos deles.
O mais importante é o proprietário do imóvel rural e o arrendatário terem a consciência de importância de resguardar seus direitos da melhor forma, evitando e minimizando riscos durante a vigência do contrato celebrado.
Para isso é de suma importância buscarem uma assessoria jurídica especializada, com experiência no agronegócio e em contratos rurais, para que ambos os contratantes possam ter seus deveres claramente estabelecidos e seus direitos objetivamente delimitados e contratualmente assegurados.
Heráclito Higor Bezerra Barros Noé
Advogado do Agronegócio – Especialista em Direito Público e Tributário pela UFRN, Pós Graduado em Gestão Patrimonial pelo INSPER – Sócio do Amaral & Melo Advogados, Consultor da Agri Company em Crédito Rural e Gestão Patrimonial.