A advocacia deve ser protagonista na solução de conflitos e não mero instrumento para judicialização de demandas.
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Publicado em 19 de maio de 2020
No clássico romance escrito por Daniel Defoe, “Robinson Crusoé”, o personagem-título passou 28 anos como náufrago numa remota ilha tropical próxima a Trinidad, encontrando canibais, cativos e revoltosos antes de ser resgatado. Enquanto estava ele só, na ilha, não tinha necessidade do Direito, até que encontra o nativo Sexta-Feira, fugitivo de uma tribo canibal e sanguinária, que recebe esse nome devido ao dia em que Crusoé encontrou-o. A partir daí o direito passou a reger a relação entre ambos, definindo quem mandava, quem obedecia e de que forma compartilhariam a ilha. O direito é um fenômeno social, razão pela qual “ubi societas, ibi jus, ubi jus, ibi societas”. Onde está a sociedade, está o direito, onde está o Direito está a sociedade.
Em assim sendo, a comunidade jurídica, em especial a advocacia, tem evoluído nas últimas décadas, onde os profissionais do direito têm se distanciado cada vez mais da escola clássica, quando qualquer conflito existente era submetido à judicialização, e o maior número de demandas judiciais era sinônimo de competência profissional. Cada vez mais esse conceito vem sendo deixado de lado e os operadores atuais do direito vêm encampando o que na Europa e América do Norte já é bem mais utilizado: a solução extrajudicial de conflitos.
A advocacia deve focar em proporcionar ao seu cliente a resolução da sua demanda, a satisfação da sua necessidade, da forma mais ágil e segura, em especial quando estamos diante de disputas cíveis, patrimoniais, que envolvem bens disponíveis.
Exatamente por isso a legislação nacional e o Novo CPC trouxeram, nas últimas décadas, diversos instrumentos que possibilitam o atingimento do melhor resultado em um tempo mais razoável, devendo ser este o verdadeiro objetivo da atual advocacia: solucionar conflitos de forma eficiente, célere e resolutiva.
Nesse sentido, os institutos da Mediação e Conciliação devem cada vez mais ser incentivados e disseminados pela comunidade jurídica, pois a utilização cada vez maior desses instrumentos de solução pacífica de conflitos vai demonstrar sua efetividade e encorajar os particulares quanto aos benefícios do seu uso.
Todos sabemos que o judiciário não consegue promover decisões em prazo razoável. Na prática, sabemos que na maioria dos tribunais nacionais demandas de pequena e média complexidade têm duração média de três a cinco anos, isso se não forem submetidas a Recursos Extraordinários e Especiais, nas cortes superiores.
Assim, se um particular possui um problema de ordem negocial, financeira, como cobrança de uma dívida, renegociação de um contrato, etc., submeter esse litígio ao poder judiciário significa, na imensa maioria dos casos, aguardar um tempo excessivo, o que na maioria das vezes faz com que a decisão final, por mais justa que seja, não reflita promova “justiça”, pois que só terá efeitos práticos muitos anos depois.
No momento atual, onde todo o mundo está enfrentando os devastadores efeitos da Pandemia do Covid-19, o cenário pós crise irá revelar ainda mais tal necessidade. Imaginemos o cenário após a equalização dos problemas de saúde pública. Diversas empresas que enfrentaram dificuldades nesse período precisarão renegociar contratos, terão dívidas sendo cobradas, locadores acionando locatários inadimplentes, fornecedores que não tiveram como cumprir suas obrigações etc.
Independentemente de tudo isso, a consequência de tais impactos será efetivamente sentida por todos após a pandemia. Será o momento de as atividades voltarem ao normal, e, consequentemente, o momento em que serão contabilizados os prejuízos efetivos.
Nesse cenário, haverá o momento em que a renegociação de tempo, produção, entrega, termo, pagamento, multa e juros deverá ocorrer, e com ela também deverá ocorrer o compartilhamento de prejuízos entre todas as partes.
Na mesma linha de raciocínio, imagine submeter os milhares de conflitos do país ao judiciário já comumente abarrotado de processos. Isso resultará numa sobrecarga sem tamanho dos tribunais pátrios.
Com isso, os operadores do direito com uma visão mais moderna, pragmática, e voltada à satisfação dos seus clientes, deverá buscar na Mediação e Conciliação uma alternativa viável, eficaz e célere para as melhores soluções.
Além disso, há institutos no direito que resguardam situações extraordinárias como as enfrentadas atualmente, dentre eles a Teoria da Imprevisão, onerosidade excessiva, caso fortuito e força maior, que serão demasiadamente debatidas nesse cenário pós pandemia.
A legislação nacional prevê muitos desses institutos e outras mudanças legislativas estão sendo propostas para tentar antecipar essas questões, mas no final de tudo, as pessoas buscarão nos operadores do direito a forma de solucionar seus problemas.
Justamente por isso, é que devemos analisar cada caso de forma cautelosa e avaliar o custo-benefício de submeter tantas demandas ao judiciário, onde as partes delegam a um terceiro a decisão final sobre seu problema. Decisão esta que em geral demora muito tempo.
Por outro lado, a possibilidade de submeter tais conflitos a uma forma de solução extrajudicial, onde as partes construirão conjuntamente o resultado final, evitará grandes surpresas, sejam positivas ou negativas, equilibrando de forma mais equânime os resultados, proporcionando maior previsibilidade e celeridade, o que é de suma importância, pois tempo é dinheiro e o tempo será um fator decisivo a ser sopesado nessa escolha.
A advocacia deve ter protagonismo nisso, pois será demasiadamente acionada e extremamente necessária, tendo relevante papel na assessoria jurídica das partes, pois só assim todos alcançarão o melhor resultado, no mais curto intervalo de tempo.
Por fim, nunca é demais lembrar “un mauvais arrangement vaut mieux qu’un bon procès.” Ou, se se preferir em vernáculo pátrio: “Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda” …
Heráclito Higor B. B. Noé
Advogado Empresarial e Tributarista
Especialista em Direito Púbico e Tributário – UFRN